Patent Box: o que podemos aprender com o modelo belga?
Patent Box: o que podemos aprender com o modelo belga? Os Benefícios Fiscais que incentivam o crescimento tecnológico podem tomar duas aceções: input tax incentive (incentivo fiscal à entrada) e output tax incentive (incentivo fiscal à saída).
Os input incentives traduzem-se em incentivos fiscais que promovem a criação do direito de autor ou direito industrial. Estes incentivos tipicamente assumem a forma de majorações dos custos de I&D.
Os output incentives correspondem aos incentivos fiscais que privilegiam a criação de rendimentos ligados à inovação tecnológica através da exploração económica do direito de autor ou direito industrial. Estes incentivos podem tomar forma de:
- Isenções;
- Reduções de alíquotas;
- Deduções à coleta ou à matéria coletável;
- Amortizações aceleradas; e
- Afins.
O SIFIDE e o Regime de Patent Box
Em Portugal, o SIFIDE (em vigor desde 1997) corresponde a um input tax incentive, enquanto que o Patent Box (em vigor desde 2014, através do artigo 50.º-A do CIRC), corresponde à figura do output tax incentive.
A aprovação do regime português de output tax incentive pela Assembleia da República teve, por subjacentes, os seguintes fins:
1. Reforçar a competitividade fiscal;
2. Simplificar o imposto; e
3. Criar melhores condições para promover o investimento e a criação de postos de trabalho.
Em retrospetiva, temos sérias dúvidas em relação ao sucesso destas ambições.
Agende a sua reunião de Patent Box
Comparação com o modelo Belga
O regime português de output tax incentive parece ter alguns paralelos com o modelo belga de incentivo fiscal à criação de rendimentos relativos à Inovação. Porém, esses paralelos são em aspetos pouco impactantes.
Alguns exemplos desses paralelismos são:
- A alíquota de determinação da isenção parcial de 85%;
- As regras anti-abuso (modified nexus approach) provenientes do quinto plano ação do projeto BEPS;
- A base objetiva assentar em determinados tipos de propriedade intelectual.
Infelizmente, onde devia haver paralelismo, não há.
A evolução dos paradigmas empresariais na Indústria Tecnológica
Enquanto que o Reino da Bélgica adota enunciados jurídicos muito mais cabais à promoção da indústria 4.0, a República Portuguesa adota um regime que privilegia um paradigma empresarial típico do século XX: o paradigma on-premise.
Este modelo assentava no facto de que a solução informática era disponibilizada e corrida nas instalações do utilizador e era, ainda, adaptada às necessidades do cliente, podendo ser integrada com outros sistemas e serviços que o utilizador utilizasse. Tratava-se de um modelo de negócio que veio a ser abandonado por várias razões – a mais patente é o custo de implementação em termos de tempo, formação de uma equipa de suporte, entre outros aspetos.
Nos últimos 20 anos, porém, assistiu-se à mudança do paradigma. Passou-se do modelo on-premise para o paradigma cloud, que oferece muito mais conveniência, uma vez que o utilizador não tem que suportar custos com a manutenção dos servidores, não tem que ter uma equipa on-demand para solucionar problemas com a solução ou com os servidores, bastando um simples login para aceder, de modo remoto, não estando condicionado à utilização de uma determinada máquina, entre outros aspetos.
A conveniência do modelo easy onboarding, que o paradigma cloud oferece, transformou o mercado em razão de este ter preferido este paradigma. Este fenómeno foi também preferido pelas Software Houses, em razão de ser um modelo altamente propício à criação de economias de escala – trata-se de uma solução one size fits all que minimiza os custos de I&D para a empresa.
A vantagem do modelo belga
Atendendo ao regime belga, é facilmente compreensível o porquê de este ser preferido pelas grandes Software Houses. Se atendermos ao artigo 205/2, 1.º parágrafo, percebemos que a condição principal do benefício não é a existência de rendimento que advenha da venda total ou parcial dos direitos de autor ou de direitos de propriedade industrial, mas antes que somente exista uma ligação dos rendimentos com propriedade intelectual:
Para determinar a dedução dos rendimentos provenientes da inovação num período de tributação, os rendimentos provenientes da inovação a ter em conta correspondem à parte do rendimento líquido que diga respeito exclusivamente a um direito de propriedade intelectual.
Consequentemente, na jurisdição belga, este output incentive exige que o rendimento tenha apenas uma ligação com o direito de propriedade intelectual, e não que advenha da alienação de um direito de propriedade intelectual – por exemplo, o direito de distribuição, o direito de reprodução ou o direito de adaptação. Por outras palavras, a condição do benefício belga é muito menos exigente em comparação com aquela que é exigida pelo regime português, uma vez que, ao contrário do regime português, a venda de licenças ou de subscrições conta como rendimento para efeitos da isenção parcial. Para efeito e a título de exemplo, confiram-se as seguintes decisões:
- décision anticipée n.° 2020.0175 de 23 de junho de 2020;
- décision anticipée n.° 2020.1907 de 11 de dezembro de 2020; e
- décision anticipée n.° 2020.2153 de 22 de fevereiro de 2021.
De forma a transparecer o facto de como a comercialização de cópias é elegível como rendimento de inovação, citamos a décision anticipée 2020.0175 de 23 de junho de 2020:
O valor atribuído às adaptações da plataforma de software comercializadas após 1 de julho de 2016, materializado sob a forma da razão “Innovative Software Ramp-up”, é razoável e está em conformidade com o disposto nos artigos 205.º/1 a 205.º/4 do CIR 92.
A partir da leitura destas decisões emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira Belga, podemos compreender que os rendimentos criados pela venda de copyrighted articles constituem rendimentos de Inovação. O facto de que o Reino Belga beneficia tanto os rendimentos oriundos da venda do copyright e da industrial property, como também os copyrighted e patented articles é um sinal de que o direito fiscal belga acompanha a evolução do mercado. É, também, um sinal que o próprio direito fiscal belga se modernizou.
Barreiras e potenciais Soluções para Portugal
Assim, pode-se compreender o porquê da falta de sucesso que o ordenamento português teve em conseguir competir com a jurisdição belga, uma vez que aquele enunciado, quando comparado com este, é menos exigente:
Para efeitos de determinação do lucro tributável, pode ser deduzido, nos termos e até ao limite previsto no n.º 8, um montante correspondente aos rendimentos provenientes de contratos que tenham por objeto a cessão ou a utilização temporária dos seguintes direitos de autor e direitos de propriedade industrial, quando registados.
O enunciado português exige que se aliene o direito de propriedade intelectual: uma prática excecionalmente incomum no mercado da área da tecnologia da informação e comunicação, dado ao paradigma em que se vive – isto é, ao nível dos programas de computador, exige-se que o direito de autor se traduza numa das formas do artigo 68.º do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos.
Sobre o assunto, pode-se ainda fazer notar que as proposições imputadas aos enunciados jurídicos belgas são coerentes com a sua tradição de pragmatismo em matéria de extrafiscalidade.
Por exemplo, a jurisdição belga tem uma noção de royalty que difere daquela que é tipicamente entendida pela generalidade dos juristas, ou seja, os royalties correspondem à noção de rendimentos que têm a sua origem na alienação de direitos de exploração mineral do subsolo, na alienação do direito de explorar um direito industrial, na transmissão de informações técnicas, e na alienação do direito de uso, ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, bem como os filmes e gravações para transmissão pela rádio ou televisão.
O ordenamento belga vai mais longe do que a generalidade dos ordenamentos. Aquele ordenamento tem um tipo fiscal denominado embedded royalties. Este tipo fiscal corresponde ao rendimento fiscal realizado através do rendimento obtido pela venda de produtos que têm por base propriedade intelectual, sendo que é ainda necessário que a empresa detenha a propriedade intelectual e que coordene a atividade comercial associada à venda do produto.
Conclusão sobre o Patent Box: o que podemos aprender com a Bélgica?
Nos últimos anos, temos assistido a vários impulsos legislativos, no mundo ocidental, em matéria de incentivos fiscais à modernização do tecido empresarial. Estes incentivos fiscais tendem a apostar na fomentação da Inovação, o que é compreensível, uma vez que existe literatura sobre como o fomento da Inovação se revela numa aposta no crescimento económico. Segundo um artigo publicado no Journal of Innovation and Entrepreneurship, pode ler-se que “(…) para promover o crescimento económico per capita, é necessário dar atenção a estratégias políticas que incentivem a Inovação”.
A República Portuguesa consolidou uma posição de respeito ao nível do capital humano e da investigação – o índice que Portugal tem melhor posição -, sendo provável que o SIFIDE tenha tido um impacto relevante dada a capacidade de majoração dos custos relacionados com pessoal altamente capacitado e instruído. Entende-se que o input tax incentive português é um sucesso.
Porém, o mesmo não se pode dizer sobre o output tax incentive, uma vez que não goza da mesma popularidade – nem de perto. O output tax incentive português, o Regime de Patent Box, é relativamente desconhecido e alvo de vários Pedidos de Informação Vinculativa. Para além do regime ter um escopo de aplicação reduzido em comparação com os seus congéneres, é ainda um regime que não favorece a segurança jurídica.
Assim, de forma a maximizar o potencial de fomento de inovação do tecido empresarial português, é necessário completar o círculo: é necessário que se concretize uma reforma séria do Patent Box, em Portugal, para que este possa atingir o fim para o qual foi criado.
Sem comentários